Somos todos corruptos?
A condescendência com que os brasileiros têm
convivido com a corrupção não é propriamente algo que fale bem de nosso
caráter. Conviver e condescender com a corrupção não é, contudo, praticá-la,
como queria um líder empresarial que assegurava sermos todos corruptos. Somos
mesmo? Um rápido olhar sobre nossas práticas cotidianas registra a amplitude e
a profundidade da corrupção, em várias intensidades.
Há a pequena corrupção, cotidiana e muito
difundida. É, por exemplo, a da secretária da repartição pública que engorda
seu salário datilografando trabalhos “para fora”, utilizando máquina, papel e
tempo que deveriam servir à instituição. Os chefes justificam esses pequenos
desvios com a alegação de que os salários públicos são baixos. Assim,
estabelece-se um pacto: o chefe não luta por melhores salários de seus
funcionários, enquanto estes, por sua vez, não “funcionam”. O outro exemplo é o
do policial que entra na padaria do bairro em que faz ronda e toma de graça um
café com coxinha. Em troca, garante proteção extra ao estabelecimento
comercial, o que inclui, eventualmente, a liquidação física de algum ladrão
pé-de-chinelo.
Há a média corrupção, também bastante
frequente: é a do tipo que coloca frente
a frente o comerciante sonegador e o fiscal, por exemplo. Ocorre também em
muitas cidades em que o engenheiro de obras que assessora o prefeito e libera
as plantas de construção de casas tem, “por
acaso,” uma pequena firma de projetos arquitetônicos. É evidente que
projetos de seu escritório são
imediatamente liberados, enquanto os de terceiros amargam longa espera, além de
idas e vindas infindáveis.
O corrupto médio despreza o pequeno corrupto
e inveja o grande corrupto. Este dificilmente trabalha sozinho. Tem equipes em
que economistas e advogados são peças fundamentais. Infiltra-se em órgãos
públicos e especializa-se em atividades
que vão de fornecimento de merenda escolar a serviços de
terraplenagem e (dizem) construção de estradas. Bem organizado, o grande
corrupto sente-se um benfeitor, por empregar bastante gente, usufrui, sem
remorsos, sua boa vida, pois acha que fornecer merenda estragada para crianças
famintas ou colocar concreto a menos num viaduto é apenas um negócio habilmente
executado, não um ato sórdido (...)
Há,
finalmente, o megacorrupto. Hábil, insinuante e extremamente articulado, o megacorrupto é um homem da sociedade. Sabe
criar e articular interesses, agindo como regente de uma orquestra afinada.
Poderoso, infiltra-se tanto no serviço público
- onde tem seus ministros, seus deputados, prefeitos e até governadores –
como na sociedade civil, em que influi nas organizações aparentemente alheias e
até avessas ao seu poder (...) O megacorrupto chega a ter desprezo pelos
corruptos menores, evitando contato físico com eles.
Cidadão do mundo, o megacorrupto não suja as
mãos com mercadorias concretas. Qual um dom Corleone de ultima geração, prefere
a área financeira, que domina, manipula e coloca a seu serviço. (...) Cínico ao
extremo, tem discursos prontos sobre a “preguiça do brasileiro”, e seus milhões
acumulados em paraísos fiscais não lhe parecem ter sido sonegados aos
miseráveis deste país.
Há, é claro, enormes diferenças de grau
entre todos esses corruptos. O pobre PM, muitas vezes ele mesmo favelado, nunca
saíra de sua condição social e ás vezes morre “no cumprimento do dever” ou colocando
uma bala em sua própria cabeça, enquanto o coronel marajá ganha regiamente, sem
correr risco algum. O pequeno comerciante, assoberbado por impostos e por uma legislação complexa e mutante, enxerga no fiscal corrupto um sócio
minoritário e pagá-lo significa apenas viabilizar seu negócio.
Na verdade, toda ou quase toda corrupção tem
sua justificativa. E é isso que viabiliza, que a mantém e a realimenta.
O problema e o pacto de conivência que qual
um elo invisível unia pequenos, médios,
grandes e megacorruptos do País. Tornava-se necessário um grande impacto para
abalar esse elo, talvez até rompê-lo.
Parece que este impacto aconteceu. Nas ruas,
nas salas de aula, nos botecos e até nos estádios, os brasileiros estão
apresentando seu protesto, estão exigindo mais respeito e, dessa forma, negando a corrupção como “solução
possível” no cardápio das respostas a problemas cotidianos.
CPI concluída, processos abertos, culpados
condenados e punidos; isto não é um ato de vingança, ou solução
extra-eleitoral. É um brado coletivo de pessoas que querem ser cidadãos e de um
povo que quer ser uma nação.
Jaime Pinsky, em O Estado de S. Paulo, 31/07/1992
Vocabulário
Assessorar: auxiliar tecnicamente, assistir, orientar.
Assoberbado: sobrecarregado.
Condescendência: anuência, aceitação.
Condescender: anuir, aceitar, concordar.
CPI: Comissão Parlamentar de Inquérito;
comissão para investigação.
Megacorrupto: grande corrupto (mega prefixo grego que significa “grande”). No texto, megacorrupto
foi usado para expressar mais que grande
corrupto.
Conivência: cumplicidade,
anuência, aceitação.
Assessorar: auxiliar tecnicamente, assistir, orientar.
Assoberbado: sobrecarregado.
Marajá: príncipe da Índia, pessoa rica que leva
vida de príncipe, funcionário público que recebe salário muito acima do normal.
Sonegador: aquele que não paga impostos, fraudador.
1 – Quais os tipos de corruptos que o autor enumera?
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2 – Leia o 9º paragrafo e responda:
O que viabiliza e realimenta a
corrupção, na opinião do autor?
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3 - No 8º paragrafo, o autor diferencia os corruptos de pequeno escalão
e os de alto escalão. Releia o paragrafo e assinale a (s) afirmativa (s) correta (s).
( ) Enquanto o corrupto de
condição social baixa corrompe geralmente para sobreviver, expondo-se a riscos,
os de alto escalão são corruptos por ganancia e não correm risco algum.
( ) Os corruptos de alto escalão
correm maior risco e, geralmente, são punidos pela lei.
( ) O pequeno corrupto vê nas pequenas fraudes à lei uma maneira de
viabilizar seus negócios.
4 – Releia o 6º e o 7º parágrafos do texto e faça o que se pede.
a) Relacione os adjetivos ou locuções adjetivas com os quais o autor
caracterizou o megacorrupto.
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b) Relacione os modos de agir do megacorrupto, seguindo os exemplos:
Ø
Sabe criar e
articular interesses...
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Ø
Age como
regente de uma orquestra...
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5) Segundo o texto, o problema da corrupção no país é o pacto de
conivência. O que é esse pacto?
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6) Releia o 5º parágrafo e responda:
Por que o grande corrupto julga-se um
benfeitor?
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7) De acordo com os parágrafos finais do texto
(10º e 11º), o brasileiro continua passivo diante da corrupção? De que forma se pode abalar o elo invisível que
une os vários tipos de corruptos?
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8) Nos últimos parágrafos, o autor conclui que
não somos todos corruptos. Que atitudes dos brasileiros comprovam isso?
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9) E para você, somos corruptos? Por quê?
Justifique sua resposta.
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10 – Os meios de comunicação estão sempre
denunciando casos de corrupção, fraude, sonegação, suborno. Dê sua opinião a
respeito das atitudes das pessoas envolvidas.
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11 – O texto cita casos de “pequenas corrupções
do dia-a-dia. Você poderia citar outros
exemplos? Na sua opinião, por que há tanta corrupção em nosso país?
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12 – No seu modo de ver, como a corrupção pode gerar graves problemas à sociedade como
um todo?
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13 – Na sua opinião, a burocracia pode
alimentar a corrupção? Como?
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14 – A corrupção no Brasil não é algo novo e
talvez seja um dos maiores problemas que afeta o bem-estar da população. As manifestações contra a corrupção política
intensificou-se muito nos últimos meses, no entanto, as pessoas não se dão
conta que também praticam atos corruptos em situações cotidianas. A partir da análise do texto lido e de suas observações no dia-a-dia, redija um texto sobre o tema: “Jeitinho
Brasileiro: Conscientização Sobre Pequenas Corrupções“.
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Alguém sabe o gabarito?
ResponderExcluirNao sei
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